Tuesday, October 10, 2006

À Espera do Fénix

“A compreensão humana (…) é infundida pela vontade e pelos afectos; esta é a origem das “ciências como se gostaria que fossem”. Pois o que um homem desejaria que fosse verdade é aquilo em que mais profundamente acredita. Por conseguinte, rejeita coisas difíceis por não ter paciência para investigar; coisas sensatas pois limitam a esperança; as coisas mais profundas da natureza, por superstição; a luz da experiência, por arrogância e orgulho; as coisas em que não é habitual acreditar, por deferência para com a opinião do vulgo. Em resumo, são inúmeras, e por vezes imperceptíveis as maneiras como os afectos dão colorido ao entendimento e o contaminam” - Francis Bacon, Novum Organon (1620)

Este texto lembra-me o pensamento naïf de um rapaz de 10 anos, a observar a disposição errática das estrelas no céu, tentando encontrar para elas combinações. O agrupamento arbitrário em constelações é o primeiro passo. Depois convence-se de que alguém lhe quer transmitir algo através das imagens disseminadas e menos luzentes que as constelações poderiam formar. Neste o modo de proceder da imaginação infantil, por estranho que pareça, a crença precede a lógica. A racionalização e a explicação dos factos deverão adaptar-se à vontade fantasiosa que desejou uma natureza comunicadora. Primeiro o processo imaginativo, que obedece à vontade. De seguida um processo de consciencialização, e auto-persuasão. Neste investe-se toda a lógica de que se acabou de abdicar no primeiro passo, de modo a explicar ao mundo que o desejo tem a primazia sobre a verdade.

É um grito de revolta perante o silêncio da natureza. Face ao emudecimento do nosso interlocutor passa-se ao monólogo com o amigo imaginário. Escolhemos as suas réplicas, escrevemos as didascálicas consoante a nossa vontade. Está montado o palco ideal para a fantasia, com personagens feitos à medida. De seguida encontre-se uma lógica para isto. Essa lógica deverá adaptar-se às nossas vontades, aos nossos anseios, aos nossos medos. O nosso interlocutor silencioso passa a adoptar a nossa linguagem e a nossa lógica.

Fechemo-nos no mundo seguro e reconfortante dos nossos princípios éticos. E acreditemos que essa ética é comungada pelos outros. Desaparecem do mapa as criaturas escuras. Encontramos o pouso sereno numa terra inerte e imutável, plana até ao horizonte infinito. Estamos serenos o suficiente? Vamos então abrir os olhos.

E no entanto ela move-se.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Safa pipinho!

Pareces mesmo um intelectual a escrever!

Só é pena o total deserto de ideias!

7:34 AM  

Post a Comment

<< Home